Através da experiência de estar ao longo dos últimos 13 anos em praticamente todas as catástrofes que aconteceram no mundo, posso concluir que o trauma é sim uma ferida, uma abertura onde o organismo se abre. Nessa ferida podem entrar novas dimensões da vida, e assim, estas novas percepções que o indivíduo tem, podem ter características de céu ou de inferno.
Quando a pele se rompe no organismo humano, alguma coisa sai para fora, que pode ser o sangue; alguma coisa pode entrar, como os germes, por ex, que trazem uma infecção. Em geral, uma ferida no corpo se cura por si só. Assim também acontece com uma ferida anímica. Uma ferida na alma também se cura pelas forças internas que possuímos, pelas resiliências que temos. Mas também podem entrar “bactérias” que acontecem de ser um risco de vida, feridas que infeccionam animicamente.
Pedagogia de Emergência é uma providência que busca cuidar do trauma quando ele acontece. O trauma pode ser como um fechamento, um endurecimento, um congelamento consequente do choque. O estado de sono, a alimentação, a respiração, tudo muda depois disso, o choque causa um distúrbio rítmico muito forte na pessoa.
No choque traumático a pessoa fica presa no corpo, é como uma câimbra, e enquanto ela permanecer nesse endurecimento, a ferida não se cura. A Pedagogia de Emergência busca fazer a harmonização dos ritmos naturais no campo das forças vitais, no campo etérico.
Com relação à esfera das emoções, no corpo astral, o caminho é semelhante. Trauma nesse âmbito, é um distúrbio das relações. Cada sentimento que a gente tem sai da respiração, que é diferente quando se está alegre ou triste. Na inspiração acordamos, nos voltamos para nós mesmos, e na expiração como que adormecemos, e estamos mais para fora, no outro. Nesse ritmo está a nossa capacidade de nos comunicar, dialogar, nossa capacidade social.
No trauma ocorre uma profunda inspiração e não se consegue mais expirar, a pessoa fica presa dentro de si mesma em tensão. Esse é o motivo do isolamento das pessoas depois de um trauma, elas só conseguem vivenciar a si próprias e se tornam egoístas, a empatia se apaga.
Distúrbio anímico também se dissolve com a Pedagogia de Emergência. A nível da essência espiritual humana, do Eu, o trauma é uma experiência de morte, como se a pessoa fosse arrancada dela mesma; ela tem a sensação de estar fora do corpo, vendo-se do lado de fora, e não sente mais as partes do próprio corpo. Como harmonizar o corpo e os sentimentos?
O trauma se desenvolve em 4 fases, assim como as leis:
- Fase aguda, onde aparecem muitos sintomas, como por ex., pulsação rápida, respiração curta, tremedeira, suor, porém eles desaparecem rapidamente
- Reações pós-traumáticas, onde podem aparecer centenas de sintomas diferentes, como problemas de concentração, problemas de memória, situações de flash back anormais de lembranças, distúrbios do sono, da alimentação, da respiração, raiva, depressão, etc…Esses sintomas podem demorar alguns meses, porém se permanecerem é mais problemático, a ferida se transforma em doença.
- Transtornos pós-traumáticos, que são os sintomas da segunda fase que se instalaram e viraram doença, como por ex., hiperatividade, depressão, ansiedade, que podem durar anos.
- Mudanças permanentes da personalidade, que é a cronificação da fase anterior.
O trauma vai corroendo a nossa biografia. As pessoas podem machucar os outros, a si mesmas, ou se tornarem suicidas. As duas fases iniciais atacam principalmente o corpo físico e o corpo vital (etérico), na terceira fase os sintomas se instalam no corpo emocional (astral), e na quarta fase a identidade da pessoa fica completamente comprometida, ela tem falta de identidade.
Os quatro corpos constituintes do ser humano se comportam como a construção de uma casa por onde passou um terremoto. Algumas partes ficam com rachaduras de forma que ninguém pode viver aí, ou a casa inteira desmorona. O trauma é um terremoto na alma das pessoas. Porém, também é fato que , quando os terremotos acontecem, algumas percepções, que não existiam anteriormente, entram em nós.
O trauma é uma vivência de limite, de limiar entre a vida e a morte, onde as experiências de morte estão muito próximas. Para alguém chegar na morte, existe o caminho natural, existe o caminho iniciático, cujo objetivo é a ampliação de consciência, e existe um terceiro caminho através do trauma. Esses 3 caminhos são muito diferentes entre si. O caminho da iniciação é uma preparação para o caminho natural, mas o trauma é um caminho que não foi tomado em liberdade, onde o indivíduo foi jogado nele, ou onde ele ultrapassa o limiar sem estar pronto.
No limiar da morte os corpos suprasensíveis começam a se desprender do corpo físico. Quando o corpo etérico se desprende, aparece o panorama da nossa vida, os sentidos se desprendem do corpo físico, a orientação do tempo se perde, assim como todos os ritmos da Terra. Na sequência, quando a orientação à minha própria pessoa também se perde, essa é do âmbito do corpo astral, e por fim, ocorre a dissociação aonde se sai de si mesmo.
Todas as pessoas que tem experiência de quase morte, fazem o mesmo relato. Todas essas coisas transcorrem no trauma. Mas acontecem por partes, por ex., o corpo etérico se retira de um órgão, como do pulmão ou do intestino. Dessa forma, no trauma, quando as forças etéricas são arrancadas de um órgão, elas impregnam a alma, e assim, a função de morte do intestino vai para o anímico.
Já o corpo astral arrancado do corpo físico no trauma, leva a que, pensar/sentir/querer, que estavam juntos como uma água em um jarro e tinham uma forma, se desmanche quando quebra o jarro e as qualidades anímicas se espalham gerando doenças psico patológicas.
Todo caminho iniciático, todas as escolas de mistério, conduzem até este ponto, quando as 3 partes da alma se separam; o Eu desenvolvido e forte sustenta as coisas, são vivências de um caminho interior.
O trauma é o encontro não preparado para se chegar ao limiar. Ele pode destruir uma pessoa. No mínimo, ele fere muito, mas também tem muitas pessoas que conseguem trabalhar e integrar isso na sua biografia, e elas podem aceitar o seu destino. As pessoas que conseguem trabalhar o trauma são amadurecidas, elas sabem distinguir as prioridades, a espiritualidade tem um papel importante.
Hoje a ciência já fala de um crescimento da síndrome pós-traumática. Como acontece o crescimento pós-traumático?
A raiva e o ressentimento mantem o indivíduo preso no trauma. É através do perdão que ele pode ser libertado, mas esse processo pode demorar muito. A raiva é o primeiro passo para a transformação de um trauma. A raiva, o desespero está dentro do ego ; depois de um tempo esse ego pode deixar de ter necessidade de vingança, e aí se cria uma abertura por onde entra alguma coisa que preenche esse espaço anímico. Isto que flui para dentro é o Eu Superior. Isso é uma dádiva, quando o eu inferior se “sacrifica”, por assim dizer, e dá espaço para o Eu Superior.
O trauma cria uma relação de vítima e algoz que, na próxima encarnação vai exigir uma remissão. O trauma tem um aspecto de morte e ressurreição.
Finalmente, um terceiro momento nesse desenvolvimento, é quando a própria substância crística do Eu Superior flui para dentro deste espaço. É a partir desse ponto que o perdão se torna possível, quando a gratidão e a graça se manifestam.
Palestra proferida na sede da Sociedade Antroposófica / SP
Bernd Ruf / Pedagogia de Emergência
25/08/2019