Capítulo VII
Nosso último exemplo, encerrando este estudo, nos leva para perto das questões do destino humano. De muitas formas diferentes vimos como o mundo social externo pode ser uma imagem do próprio mundo interior do homem e é de fato a sua contrapartida. Em épocas passadas era diferente.
Na cultura da antiga Índia, quando um homem voltava sua percepção sensorial para o mundo, sua sensação fundamental era tat twam asi – você é isso !
Se ele visse uma árvore ou o sol, a chuva ou um pássaro, sua alma sempre podia responder : “ Você é isso” . Todo o mundo da criação podia responder ao seu questionamento ainda sonhador sobre sua própria existência.
Durante a longa evolução da consciência, a humanidade libertou-se daquela união natural. A natureza não pode mais responder a qualquer homem, quando ele pergunta : “ Quem sou eu ?” . Ele pode se impressionar com tudo que descobre nos reinos das pedras, plantas, e animais ; pode descobrir, mesmo com reverência, que ele traz a mesma natureza dentro de si, na parte física de seu “Eu”. Mas uma resposta à questão sobre seu próprio ser nunca poderá vir desse mundo.
Será que a resposta não pode ser encontrada nas condições externas que ele próprio criou como corpo social para seu Eu que agora se tornou livre ?
A conexão não foi feita pela natureza ; é trabalho dos homens, e torna-se cada vez mais assim, na medida em que as formas teocráticas tradicionais perdem seu poder para apoiá-lo e finalmente entram em colapso.
Nós podemos realmente afirmar face a uma selva de pedra, casos de tortura, um jornal sensacionalista, um desembarque na Lua, um prédio de seguros principesco, uma usina atômica : eu sou isso !
Nós podemos afirmá-lo olhando para os problemas do mundo.
A humanidade está polarizada entre uma rica minoria técnico-industrial e uma vasta maioria pobre que fornece matéria prima para a agricultura e indústria e torna-se cada vez mais difícil para eles falarem uns com os outros. Não é isto uma imagem do próprio homem : usando seus membros e metabolismo apenas para carregar sua cabeça por aí e satisfazer quaisquer desejos que ela imagine para distração dos sentidos ? Em toda parte vemos o problema da urbanização. O campo está desaparecendo enquanto as cidades se expandem em grandes complexos intoleráveis.
Foi quando estive em São Paulo, com seus 12 milhões de habitantes (1977 !) e seu aglomerado de arranha-céus, que eu compreendi pela primeira vez que isto é o produto do nosso crescente mau uso do intelecto.
As forças da cabeça cada vez mais se impõem. E quando eu ouvi como é difícil até para um governo autoritário descentralizar, eu compreendi que novos níveis de consciência terão de ser atingidos antes que novas formas possam se tornar possíveis na vida social.
Através de exercícios, tais como os descritos nos capítulos anteriores, um sentimento gradualmente vai surgindo podendo ser formulado assim :
“ O que vem ao meu encontro do mundo externo humano pertence a mim ; é parte de mim mesmo, uma expressão do meu próprio ser”. E sobre tal base, as perguntas sobre o destino podem se feitas novamente. As condições nas quais eu vivo, as coisas que me acontecem, não estão elas, em seu aspecto mais íntimo, relacionadas comigo ? Nossos exemplos ( a separação da realidade espiritual, o declínio dos poderes da alma, a vida sob a tecnologia, e assim por diante ) tiveram um caráter geral e não se referem diretamente ao destino pessoal. Mas pode um homem não achar que sua própria situação prática e o que o atinge nela, pertencem de fato a ele ?
Os psicólogos sociais descrevem isto sob o ponto de vista apenas psicológico, falando de “profecia de auto-satisfação”. Se eu decido que as pessoas não são confiáveis e eu ajo de acordo, eu tendo a ter minha expectativa realizada.
Eles se comportam de forma suspeita. Mas de fato fui eu quem os influenciou; eu mesmo induzi o que vem ao meu encontro. Pertence a mim. Ou, pode ser que algumas pessoas num grupo me tratam agressivamente e eu me pergunto por que são tão desagradáveis. Revisando isto, pode ocorrer a mim que, através da minha própria falta de consideração com os outros, eu os atropelo com meus próprios planos e naturalmente provoco esta resposta.
Efeitos bumerangue como este podem, às vezes, prosseguir durante meses ou anos. Não é sempre fácil se reconhecer naquilo que vem dos outros.
Mas esta forma restrita de pensar ainda deixa aberta a questão : por que minha atitude para com os outros é de desconfiança ? Por que eu tenho tão pouco respeito por eles ? Como eu me tornei assim ? Isto leva ao meu passado, minha hereditariedade, meu ambiente, fatores genéticos e influências na minha criação que me “programaram ”. Pode-se ir ainda mais longe.
A questão remete de volta a uma pequena porção da natureza que é um invólucro para eu habitar, que serve ao meu ego, meu “Eu” , como um instrumento de auto realização. E é este instrumento tão estranho ? Ou pode o homem moderno afirmar desta “natureza dentro dele mesmo ” tat twan asi ?
Parte do nosso próprio destino se aproxima e é reconhecido.
Se acompanhamos como nós entramos em várias situações, torna-se claro o quanto fomos conduzidos pelos sentimentos – absorvidos na nossa própria natureza – de prazer e desprazer, simpatia e antipatia.
Se aceitamos que esta “ natureza” é uma parte essencial nossa, então nós estamos destinados a enxergar a nós mesmos em nossa situação.
Fomos nós que a guiamos para nós mesmos. Assim, o que acontece com os incidentes que realmente parecem determinados de fora e ainda podem ser tão decisivos em nosso destino ? Um acidente, uma perda, uma vaga perdida por extravio de correspondência, permissões concedidas que de acordo com os regulamentos nós não devíamos ter recebido, todos os tipos de encontros acidentais, oportunidades perdidas….
É possível dizer para os acontecimentos exteriores aparentemente fortuitos, tat twan asi, não apenas no sentido de concordar e aceitá-los, mas muito mais profundamente como tendo verdadeiramente os desejado para si mesmo ?
Qualquer um, que regularmente pesquisa sua vida com tal questionamento em sua mente, pode começar a sentir que um fio a percorre – um tema da vida.
Os acidentes externos parecem realmente pertencer a ele. A idéia se acende : talvez eu próprio fosse – inconscientemente- o diretor de cena por trás deles.
Às vezes uma circunstância inesperada ou um novo encontro pode evocar uma sensação imediata de que “aquilo era para mim ; eu estava me preparando para ele ; ou “ aquele homem não é um estranho para mim” .
Este tipo de percepção é aprofundado através do ponto de vista de Rudolf Steiner de que é o próprio homem que, através de uma seqüência de vidas terrestres, cria tanto as condições físicas naturais, como os eventos necessários para um contíguo caminho de desenvolvimento. Tomado seriamente e praticado, tal conhecimento traz sentido a cada vida.
O que é que provoca a epidemia de suicídios na Suécia, entre as idades de 18 e 35 anos, senão uma vida vivenciada como não tendo sentido ?
Não é difícil de prever a crescente complexidade de um sistema tecnocrático num completo caos social.
Há uma pequena e comovente lenda russa de um homem insatisfeito com seu destino. Excepcionalmente, lhe é permitido devolver sua cruz. A cruz com seus braços vertical e horizontal representa o urdidura e a trama que sustentam o molde do destino : o invólucro natural que o “Eu” usa na Terra como seu instrumento, e os acontecimentos que vem de fora. O homem entrega sua cruz nos portões do céu e pode procurar por outra. No vasto depósito do céu, elas estão em altas pilhas numa variedade infinita, prontas para serem dadas para as almas que vão descer. Após uma longa busca, ele encontra a cruz com a qual pode identificar seu ser completamente. Pedro a entrega a ele. É a sua velha cruz.
Através do caminho interior e exterior, atenção na própria natureza e naquela do nosso ambiente social : reconhecimento de si na sociedade e a descoberta da sociedade na alma.
Este balanço pendular entre nossa percepção pessoal e nossa percepção social pode finalmente emergir como uma convicção sobre o destino – jamais uma de contemplação passiva.
A pessoa que chega a conhecer tais fatos olha em torno de si desperta, porque aqui está o lugar onde quer perceber a si mesmo na ação.
Eu não descubro o que fazer pela “contemplação do próprio umbigo”, mas percebendo o que o destino solicita de mim. Quando eu reconheço que meu “Eu” está vindo ao meu encontro de fora, cada situação oferece algo que está relacionado comigo, uma pergunta, uma tarefa, um desafio, um aviso. Quando eu tiver encontrado esta chave, eu “sei” o que tenho de fazer.
É esta crescente percepção do destino que será, a longo prazo, a verdadeira bússola para os homens dirigirem e ordenarem seus atos, o princípio único que pode prevenir o colapso social.
“A Sociedade como reflexo do próprio interior”
Lex Bos – cap.VII