Capítulo VI
Nós tentamos examinar certos fenômenos sociais por suas qualidades subjacentes, e depois, usando o que encontramos, olhar para dentro em busca justamente das mesmas forças. Nós escolhemos aquelas principalmente do tipo institucional : seguros, inflação, jornalismo marrom, arranha-céus, e assim por diante. Agora podemos enfocar outro ângulo e olhar a tecnologia.
O que desenvolveu reflete a mudança na consciência que gradualmente vem ocorrendo.O pensamento mecânico de causa e efeito, que embasa a ciência natural e o conhecimento técnico, não seria possível historicamente enquanto a percepção e o pensamento eram obscurecidos por vivências interiores do que quer que estivesse sendo percebido. Tecnicamente um vácuo ( o invento básico por trás do motor a vapor, que desencadeou a revolução industrial) só pôde ser produzido quando os homens tivessem superado seu horror vacui; pelo qual a Idade Média representava o medo de um espaço vazio, sem ar, ou respiração ou espírito divino nele.
Os foguetes espaciais não foram mandados até que a Lua fosse encarada como um monte de crateras sem vida e não mais como um lar e centro de atividade de seres espirituais : por exemplo da deusa Luna. Nessa visão, a técnica resulta de uma mudança na percepção, embora por outro lado dê a impressão de uma caricatura do que deveríamos estar conseguindo com o nosso próximo passo na consciência.
Considere-se tais efeitos técnicos como a televisão e o desembarque na Lua de um lado, e o reator nuclear e a escavadeira de outro. A TV é a culminação de uma cultura visual que cresceu rapidamente nas últimas décadas através de periódicos ilustrados, fotonovelas, histórias em quadrinhos, cinema e slides. A preparação para isto está na utilização de recursos visuais na educação das crianças. Há uma fome insaciável por imagens e o número delas que pode ser engolido numa única hora é inacreditável.
A alma humana tem evidentemente um profundo anseio inconsciente por imagens. Se os meios de comunicação não contassem com isso, eles não chegariam a nada. De sua investigação espiritual, Rudolf Steiner descreve o profundo significado deste anseio ; ele retrata a evolução humana como um gradual despertar para o mundo material, sensorial. A primitiva união inconsciente com um mundo divino deu lugar passo a passo a uma alienação do mesmo.
Na transição gradual para a época moderna, a percepção imaginativa desapareceu e os sentidos se tornaram os instrumentos de percepção. È somente através de uma quase completa separação da realidade espiritual viva que os homens podem atingir uma clara e desperta consciência do Eu. Somente através da redução da sua relação consciente com o mundo espiritual a um mínimo, pode cada indivíduo chegar a si mesmo. Ele passa pelo buraco da agulha. Deixa tudo para trás : mas desta forma ganha a liberdade interior. Assim, o que lhe sucede no outro lado da agulha ? No livro ” O Conhecimento dos Mundos Superiores” , R. Steiner descreve como o primeiro passo do treinamento interior conduz a uma consciência imaginativa figurativa. Não através da dispersão em vagas fantasias, mas precisamente pelo fortalecimento da capacidade de percepção sensorial e do pensamento intelectual.
A consciência do Eu plenamente desperta, adquirida através da passagem pelo buraco da agulha, não é em momento algum abandonada. Pelo contrário, ela é levada para o mundo ao qual só a consciência imaginativa tem acesso ; o mundo do tempo, dos processos vitais, dos poderes criadores. A fome de imagens mostra um tipo de impulso instintivo para libertar a mente de sua forma abstrata de pensar somente com idéias e para desenvolvê-las na direção do pensamento móvel, formador de imagens. Entretanto, isto não pode acontecer a não ser que nós reforcemos a força do próprio pensamento. Somente trazendo a vontade para esta atividade, nós podemos conduzir um pensamento desperto para o mundo dos processos vitais.
E é justamente isto que é sistematicamente obstruído pelo mundo de imagens trazido a nós pela tecnologia. As imagens são introduzidas em nós e nossa própria criatividade é paralisada. Podemos nos entregar passivamente a uma corrente de imagens já programada.
Rudolf Steiner indicou a Lua como o corpo celeste cujos poderes são uma expressão das forças vitais. As influências lunares nas marés, precipitações atmosféricas, ritmos femininos, são familiares. Fazendeiros biodinâmicos versados na ligação entre a posição da Lua e a germinação aplicam isto na prática. Ele chamou a nova consciência imaginativa figurativa de “ um despertar na esfera lunar”.
Não são as viagens espaciais e os desembarques na Lua uma projeção opressiva externa da tecnologia, do que nós deveríamos estar conseguindo interiormente ? Como uma imagem do mundo das forças etéricas vitais, nós podemos ver o feto com sua grande cabeça flutuando sem peso no líquido embrionário e ainda ligado à mãe pelo cordão umbilical. Mas a imagem dos astronautas com seus capacetes flutuando sem peso no escuro cosmos, ligados por uma corda à nave mãe, é uma caricatura cruelmente exata do nosso próximo passo na evolução da consciência.
Saber como ler tais imagens pode ser um estímulo poderoso na direção de assumir este caminho de treinamento interior. Nós olhamos em seguida para o reator nuclear e a escavadeira. O que ocorre nas usinas nucleares para desencadear tanta controvérsia entre os fornecedores de energia, os ecologistas, os profetas da destruição e os conservadores ?
O reator demonstra que o homem experimentou o mundo da sub natureza nas suas mais ocultas profundezas : começando com as leis mecânicas da gravidade e do pêndulo, através do magnetismo e da eletricidade para a radioatividade e a divisão do átomo. Com o último passo, nós entramos na região dos poderes ocultos na matéria, das energias latentes nas substâncias. Parece um domínio sombrio e perigoso, e desperta medo. Qualquer um pode sentir a ansiedade que permeia as discussões sobre a construção das centrais nucleares. Os regulamentos essenciais de segurança, políticos, organizacionais e materiais são quase inacreditáveis. Todavia, eles não afastam a ansiedade. Como o homem conseguiu penetrar na desintegração da substância ? Ele tem uma participação nesta esfera ? De fato ele tem. É a esfera do metabolismo. Tudo que acontece nas profundezas do inconsciente dos órgãos digestivos tem a ver com o domínio da destruição da matéria.
Em suas conferências sobre medicina antroposófica, Steiner falou das forças catabólicas no nosso sistema digestivo que reduzem a matéria até o limite do imaterial. Descobriu que a matéria não é simplesmente absorvida de fora para dentro, o corpo através de suas próprias forças, densifica este produto imaterial do processo digestivo, gerando novas substâncias para construir sua própria forma física. Esta esfera corporal é onde a vontade humana pode assumir o controle, em todas as suas expressões da cobiça, impulso e instinto até a forma mais elevada de amor. E agora ela começa a aparecer no horizonte da consciência. A encarnação gradual do homem foi tão longe que o “ Eu” é confrontado com os poderes emergentes das profundezas inconscientes de seu metabolismo.
Freud, Adler e Jung foram os primeiros a estudar esta área. Desde então ela recebeu crescente atenção através das práticas de magia negra do Terceiro Reich. O estudo das torturas, a onda de sexualidade e violência assolando o mundo. A mesma área é descoberta por “terapeutas” e “ transcendentalistas” ; eles elaboraram práticas ( os cursos estão no mercado) para libertar a reserva de forças vitais dormentes nos músculos e órgãos digestivos e desta maneira produzir um sentimento de frescor juvenil. Eles encontraram formas de trazer a sabedoria orgânica, que atua inconscientemente neste mundo, a tal ponto para a consciência, que experiências ocultas acontecem.
O limiar foi cruzado. A esfera metabólica jaz aberta. Está cheia de perigo. Qualquer um que não sabe o que está fazendo, que poderes está desencadeando, que seres está convocando, é extremamente vulnerável. A literatura, descrevendo o real dano psíquico e espiritual decorrente da entrada despreparada nesta região, ainda está aumentando. Esta sombria esfera da vontade precisa ser iluminada pela consciência.
As questões que se acumulam rapidamente com relação à motivação(o que eu realmente quero ?); paralisia da vontade (eu não posso enxergar mais além, eu não me importo); a perda da auto-orientação ( tem a minha vida algum sentido ?) ; de objetivos comuns ( o que nós queremos juntos ?) ; também o rápido declínio moral, sexualidade e agressividade desenfreadas são precisamente sinais de que os problemas da vontade humana, que vive nos processos metabólicos, estão forçosamente vindo à tona.
Talvez um reator atômico, o destruidor de substância, apenas tenha se tornado possível quando esta região deixou de ser um tabu e pôde surgir no horizonte da consciência. Mas talvez as inúmeras usinas nucleares sejam outros tantos avisos para nós de que deveríamos assumir o controle desta área interiormente.
O livro de Steiner “ O Conhecimento dos Mundos Superiores” , oferece um caminho responsável, apropriado para o homem moderno, de trazer a luz da consciência para a vontade. Mas há outra esfera a ser iluminada e isto nos leva a escavadeira. Quando em 1917, ele escreveu pela primeira vez sobre o homem trimembrado em conexão com as funções psíquicas do pensar, sentir e querer, ele mostrou o sistema nervoso e os sentidos como sendo a área de aplicação para o pensar, o sistema rítmico da respiração e circulação como sendo a esfera do sentir, e o sistema metabólico e locomotor para o local onde o querer é ativo.
Através do querer , o “Eu”, domina a região metabólica a partir de dentro, e entra em ação por meio dos membros. Apenas através dos membros ele pode emergir para o mundo. Os membros são como se fossem uma extensão do querer externamente. Nós realmente usamos nossos membros ? A imagem do operador dirigindo uma grande escavadeira, talvez por controle remoto, representa uma conquista técnica que está em vias de imobilizar os membros do homem, paralisando, desta forma, também seu querer.
Pela manhã um passo ou dois até o carro. Eu sento imóvel, acelerando automaticamente, e deixo setenta cavalos vapor me conduzirem. Subindo ou descendo no escritório pelo elevador ou escada rolante, ou para a oficina onde novamente a máquina é controlada automaticamente. A cozinha está repleta de aparelhos que poupam o trabalho de grelhar, fritar, cortar ou bater. Em seu passatempo lá em cima no sótão, você não mais serra nem lixa manualmente. Qualquer um pode encontrar exemplos.
Recapitule em sua mente os vários modos de vida e você descobre que a tecnologia está colocando sistematicamente nossos membros fora de ação ( exceto pelo jogging do sábado de manhã ); de que ela está desligando todo nosso aparelho motor. E é interessante prosseguir daqui e pensar como as usinas nucleares suprem enormes quantidades de energia para paralisar totalmente o homem.
O que esta imagem retrata ? É algo realmente mostrado externamente que nós deveríamos realizar interiormente ? Eu acredito que sim. Cada um de nós tem muita energia interior, tensão nervosa e instabilidade emocional. Muitas pessoas parecem ter um sistema motor interno que não mantêm sob controle. É claro que é bom queimar alguma energia supérflua em exercícios saudáveis. Mas não é só isso. Acalmar esta super mobilidade através de atividade interior não resultará em rigidez mental. Pelo contrário. Significa um fortalecimento da consciência na esfera da vontade, significa o desenvolvimento da intuição, dá a possibilidade de captar um sentimento sutil do que uma situação particular está pedindo e como ela deve ser manejada. Você aprende, por assim dizer, a escutar com o querer.
Em suma, abre uma trilha para maior consciência do próprio destino. A imagem da escavadeira e, junto com ela, de toda a tecnologia, que está enfraquecendo o querer humano, pode nos convocar a manter sob controle o homem internamente móvel : como a usina nuclear que nos avisa para trazer cuidadosa, mas resolutamente, a esfera do metabolismo e as forças sexuais à consciência. Ambos desenvolvimentos técnicos são um chamado para direcionar a luz da consciência para baixo, para dentro da esfera do querer ; da ação, da experiência, do destino. Analogamente, as conquistas técnicas da TV e os desembarques na Lua nos impelem, com igual força, a direcionar o poder do querer para cima, para dentro da esfera do pensamento e da percepção, de tal forma que isso possa se desenvolver em consciência imaginativa.
“A Sociedade como reflexo do próprio interior ”
Lex Bos – cap.VI