Cap III
Esse é um grande desafio,o de conseguirmos lidar com esses sentimentos que a pessoa provoca na gente (de dependência, de ira, de simpatia, antipatia, etc.)
Desde o momento em que consideramos que dentro da nossa vida psíquica tem também uma dimensão espiritual, mesmo que não sejamos conscientes do tamanho dela, isso muda totalmente a visão que temos a respeito de nossos conteúdos psicológicos.
É totalmente diferente dizer “eu sou uma pessoa cheia de paixões e medos” ou dizer “eu tenho uma alma, eu levo comigo uma alma cheia de paixões e medos, com os quais eu tenho que lidar”. Uma coisa é dizer “eu sou minhas paixões, meus instintos e minhas emoções”, e outra coisa é dizer “eu sou um ser que observa as paixões objetivamente de fora e que carrega isso e quando eu tenho que me encontrar com uma determinada pessoa, eu carrego isso comigo e essa é a minha dificuldade”.
A outra pessoa carrega a outra dificuldade.
Ou seja, uma relação muda totalmente de cor, se nos damos conta de que essas forças que surgem é o desafio que essa relação tem que enfrentar. Ex: numa determinada relação tem que enfrentar que cada vez que uma pessoa abre a boca o outro se sente ameaçado e a pessoa não está de fato fazendo nada para ameaçar. Ex: “Vamos ao supermercado?” “O que você está querendo dizer com isso?”
A presença da outra pessoa já faz sentir um tom de ameaça (sentimento) e isso foi planejado, e depois temos que suar como um louco para perceber. “Eu me sinto ameaçado, mas não estou sendo ameaçado e apesar do sentimento de ameaçado eu não vou agir como se eu fosse ameaçado”.
É uma questão de nos tornarmos conscientes e na química dos encontros cada pessoa provoca um tipo de sensação diferente. Ou seja, a dimensão espiritual nos traz um senso de responsabilidade diferente e é interessante perceber no momento em que ocorrem os encontros quando eles têm uma relação cármica forte (bastante emoção). Isto significa que em cada relação que temos com as pessoas, as dificuldades que temos que superar são específicas (mãe, pai, filho, irmão, etc.). Com mãe é uma, com marido é outra, etc; ou seja, em cada caso tem uma situação.
A maneira como é entendido o carma na antroposofia é assim: você vai encontrar pessoas e é inevitável que você sinta certas coisas, isso é o carma. Ou seja, eu encontro uma pessoa e essa pessoa me amedronta, isso é o carma. A liberdade está no que eu faço com isso. O fato de ter medo, não significa que tenho que fugir,é como eu respondo a esse sentimento que esse encontro me provoca. Isso é totalmente diferente de simplesmente reagir em função dos impulsos que sentimos quando encontramos outras pessoas.
Steiner diz que, no carma não está “escrito” nada do que devemos fazer com o outro, não está determinado se devemos namorar, casar, etc. O que está no carma é o que vamos sentir: encontrou = sentiu. Se vai casar, morar junto, se ver 2 vezes por mês, não encontrar, isso é problema seu.
No carma não está escrito. Mas o que não podemos evitar é que perante essa pessoa tenhamos uma determinada sensação.
Deveríamos prestar atenção justamente naquelas pessoas que gostaríamos de apagar com borracha, porque é ali que estão as maiores dificuldades para vencermos na vida. São desafios grandes especialmente pela falta de preparo afetivo que temos na nossa cultura.
Não sabemos lidar com esse tipo de conteúdo e geralmente encontros muito importantes, colocamos em nossa vida em páginas que quando voltamos a folhear, pulamos e não queremos voltar nela porque, na realidade, é insuportável lembrar. Talvez esteja por trás desses encontros o que mais precisássemos ter aprendido.
É justamente por ser difícil que devemos prestar atenção.
Aqueles que rolam soltos, fluem, que conseguimos resolver, estão resolvidos, o problema é tentar se relacionar com esses tipos de encontros nos quais a relação não é fluida, é complicada e exige muito da gente.
Carma é o inevitável do que sentimos, não conseguimos evitar certos sentimentos com certas pessoas, ou de muita simpatia ou muita raiva, isso é inevitável.
Mas, o fato de ter raiva não significa que tenha que agredir o outro, essa é uma possibilidade (mais cômoda). Posso sentir raiva, estar consciente disto, perceber a inoperância que esse sentimento tem e me comportar de acordo com o que eu quero construir, com o que estou sentindo.
Isso já é começar o processo da construção de um vínculo.
Depois que acontece um encontro e temos uma relação afetiva, emocional, mobilizante, forte com uma pessoa, se não conseguimos um processo de construção de uma relação conscientemente conquistada através dessas emoções que surgem, muitas forças negativas podem penetrar na relação. A falta de poder resolver uma determinada situação, não somente traz o problema daquilo que não conseguiu resolver com a pessoa, mas tem uma série de forças espirituais no ambiente que também começam a penetrar e além da coisa ficar enroscada, ela fica destrutiva.
Já esse processo de destrutibilidade é a possibilidade que damos para a entrada de forças negativas para o desenvolvimento humano.
Dos sentimentos que temos, nem todos são nossos, não devemos nos apossar e nos responsabilizar por tudo que sentimos interiormente. Parte do processo de auto-conhecimento significa perceber o que é meu e o que não é meu.
Quem faz análise ou trabalha como terapeuta sabe como é difícil, dentro de um processo de vida anímica, uma pessoa descobrir o que é seu e o que não é seu. Se uma relação está complicada e enroscada é muito mais difícil perceber o que é meu. O processo de conhecimento interior nos mostra que nem tudo que sentimos é nosso. Tem muitas questões que sentimos em função do meio social em que nos encontramos, então, quando vamos encarnar, não encontramos somente com pessoas específicas, mas com seres espirituais que estão governando uma população inteira. Então, muitos sentimentos que temos são pertencentes ao grupo e que carregamos dentro de nós.
Um brasileiro tende a sentir diferente de um paraguaio ou um francês.
Quando por exemplo falamos com um italiano, ele tem um monte de sentimentos interiores por ser italiano, e não por ser ele. Então, tem uma série de sentimentos dentro da nossa alma que pertencem ao âmbito social.
Tem uma série de sentimentos que correspondem ao âmbito espiritual.
Nesse processo de encarnação e vida na terra, muitos seres espirituais influenciam nossa vida (anjo da guarda, arcanjos, arqueus, etc) e vão ajudando no processo de construção e semeando dentro de nós uma série de sentimentos.
Então, muitos sentimentos que temos não pertencem à nossa alma, mas sim, à nossa época. Por ex: nesta era atual tem um arcanjo que é São Miguel que está encarregado de fazer essa nova era surgir. Sentimentos dentro de nós, como o sentimento da nova era “Sinto que tenho que mudar: a relação com a matéria, com as pessoas, com a medicina, com a psicologia, etc”.
E sinto isso como algo muito íntimo e quando vou falar com uma outra pessoa ela também sente a mesma coisa. Então, na realidade não é um sentimento que é meu, mas manifesta-se através de mim a necessidade de um ser que está tentando mudar algo. É essa a maneira como o mundo espiritual penetra nos humanos, provocando esses sentimentos e fazendo surgir novas eras, novas descobertas.
Tem ainda uma terceira espécie que seriam os afetos dos encontros, ou seja, os sentimentos que nossos amigos, nossa família plantam em nós antes de encarnarmos e depois descobrimos interiormente e que na realidade é um sentimento que foi plantado pelo outro, que reconhecemos interiormente, mas nossa missão na vida é devolver (“olha, isso estou percebendo que é seu”). Perceber que esse sentimento não é meu e só surge quando encontro com você, você provoca esse sentimento em mim, isso é uma coisa sua.
Eu te devolvo e te torno consciente.
Tem ainda uma última área, relacionada com a individualidade, aquilo que é realmente original, único, meu. Aquele processo todo que me leva como uma vocação a descobrir aquilo que vou fazer na vida. São os meus sentimentos originais e genuinamente meus. Então, o processo do auto-conhecimento é muito complicado, porque precisamos estar sempre discriminando o que é realmente meu e o que não é.
Qual sentimento vai me levar a descobrir o meu destino ? Eu estou querendo fazer isso por uma necessidade pessoal ou é uma necessidade cultural que está me obrigando a fazer o que eu não quero fazer? Passamos anos para diferenciar se é o social que está me obrigando ou se sou eu que estou querendo. Esse processo não é nada simples. Isso tem uma importância especial, porque em qualquer uma das circunstâncias em que abandonamos qualquer um desses aspectos, a tendência é que os encontros virem ganchos, enroscos, relações muito destrutivas.
Por exemplo: abandonar o seu próprio processo e deixar de ser você mesmo. Se você quer realmente garantir que daqui para frente as relações não vão funcionar, não seja você mesmo. Não assuma, não tenha coragem de ser você mesmo, não assuma sua vocação, sua responsabilidade, não se responsabilize pelos seus sentimentos.
Outra maneira é quando perdemos contato com o espiritual, a falta de reconhecimento, de gratidão pelo corpo que temos, pela natureza, etc, a falta de reconhecimento de tudo isso como algo sagrado, espiritual, se vamos perdendo contato com isso e vamos vendo nisso somente matéria, aí também outras forças podem penetrar.
Steiner fala que no mundo espiritual, ao qual pertence nossa alma, não pode ter vazio e quando algo não é preenchido de sua correta forma, sempre vai ter uma outra força para entrar.
Gerardo A. Blanco