Capítulo I
Por volta de 1968, ondas de entusiasmo revolucionário varreram os campus de Berkeley, Tóquio, Berlin, Amsterdam, Paris, Londres e Sussex, à medida que estudantes politicamente orientados atacavam os bastiões de um sistema educacional reacionário. O resultado ? Embora muitas universidades tornassem a economia política marxista parte do currículo e contratassem mais conferencistas marxistas, as tentativas para ativar uma participação estudantil concreta logo enfraqueceram. No início da década de 70 a energia tinha desaparecido.
No rastro da revolução vieram os seminários de sensibilização e os grupos de encontro, centros para treinamento em gestalt, yoga, meditação transcendental, bioenergética e assim por diante. Eles começam de modo razoavelmente inocente apresentando formas de relaxamento e auto-expressão para libertar os sentimentos profundos e forças não conscientes que existem em cada um. Depois, vêm exercícios simples, posturas especiais e semelhantes. Seguem-se “ viagens de fim de semana para outros mundos” comercializadas, proporcionando descobertas breves, porém violentamente perturbadoras através do vácuo que separa o mundo perceptível pelos sentidos do mundo não sensorial.
Os rebeldes de 1968 também cruzaram um limiar e vivenciaram uma entrada em outro mundo. Quando os estudantes de cabelo comprido e blue jeans invadiram as reitorias, eles viram paredes com retratos dos fundadores e presidentes do século XVII em diante e mesas de feltro verde com o martelo de marfim pronto para a próxima reunião . Ou trabalhadores de macacão tomaram a sala da diretoria de sua fábrica e encontraram poltronas para clientes importantes, um cofre para documentos secretos , uma ante-sala onde uma secretária senta protegendo seu empregador. Ou os ativistas perturbando os conselhos municipais de modo bem pouco usual. Alguns políticos tchecos tiveram a coragem de não aplaudir o discurso presidencial no congresso de seu partido …Todas essas pessoas encontraram-se face a face com uma realidade diferente da sua própria, e penetraram num mundo ao qual não pertenciam.
As experiências dos extrovertidos dos últimos anos da década de 60 são notavelmente similares àquelas dos introvertidos do início da década de 70.
Ambos os grupos cruzaram um limiar pela violência e se encontraram despreparados, expostos às poderosas energias de uma realidade oculta.
Um grupo, através da agitação e das provocação deparou-se com a fria e opressiva engrenagem de um sistema de poder, o outro, numa rápida viagem, encontrou as tentações de um mundo de ilusão.
Conversar com os membros de qualquer um dos grupos dá a impressão de que algo deu errado, de que ao retornar, eles estavam não só desiludidos, mas desorientados em si mesmos.
Havia dois extremos, um bem exterior, o outro interior, e nenhuma relação entre eles ! Um era de fato uma reação ao outro, mas nas esferas encontradas não foram percebidas como conectadas. Será que uma passagem forçada, despreparada, pode apenas conduzir a uma caricatura de realidade espiritual ?
Quando esses anos são revistos, a questão ainda surge : “ Não estão os campos de energia fora de mim relacionados de algum modo com o meu mundo interior, e minhas forças interiores à realidade social externa ?”
Se aquelas energias são realmente semelhantes, e surgem da mesma fonte, não poderíamos utilizar o processo de desenvolvimento da consciência individual para descobrir algo sobre a situação social, e deixar o processo de desenvolvimento da percepção do social nos guiar em direção à compreensão interior de nós mesmos ?
Muitas pessoas consideram estranha a idéia de que os homens façam parte de uma realidade espiritual que podem vivenciar a partir de dois lados : da realidade social externa e o da alma interior. Nós ainda vivemos sob a influência de Kant que “provou de uma vez por todas” que há fronteiras para o conhecimento humano e que aquilo que está além destes limites só pode ser uma questão de fé. Esta é uma ruptura há muito preparada na história, através do nosso processo gradual de nos tornarmos indivíduos. A separação significa que pouco a pouco, de uma vida onírica num mundo de espírito divino, os homens acordam para o mundo dos sentidos.
Foi Francis Bacon ( 1561-1626), o fundador da ciência natural moderna, quem sistematicamente estabeleceu esta ruptura. Ele tinha uma profunda desconfiança da percepção humana, dizendo que as percepções sempre estão misturadas com sentimentos religiosos, místicos e alquímicos. As percepções humanas são subjetivas, e temos de substituí-las, tanto quanto possível, por instrumentos de registro que possam medir, pesar e contar.
Ele tampouco confiava no pensar, afirmando que os pensamentos estão misturados com dogmas clericais, preconceitos acadêmicos e revelações não comprovadas, e também são subjetivos.
O pensar humano só pode ser empregado desde que os resultados possam ser expressos em fórmulas matemáticas ( Novum Organum, 1, 41-44 ).
Quando o homem, como ser pensante e sensível, foi excluído de conhecimento, o resultado só pode ser uma ciência na qual ele não podia mais redescobrir a si mesmo. Quando foi desconsiderado como conhecedor, a ciência em desenvolvimento não podia dar espaço para ele.
Atualmente vemos isso cada vez mais nos debates, por exemplo, sobre o meio ambiente, aborto, eutanásia.
A ciência deixou o homem desolado, sem respostas para suas perguntas fundamentais sobre a natureza e seu próprio ser.
Esta ciência alienada posteriormente abriu caminho para avanços mecânicos, químicos, elétricos ; e também nos campos da psicologia e sociologia. É com tal tecnologia que construímos a realidade social em torno de nós.
É de admirar-se que uma ciência que rejeita o homem leva a uma sociedade sem face humana ?
É surpreendente que uma ciência que cria uma ruptura entre o homem e ele mesmo resulte numa sociedade onde ele é vivenciado como um ser dividido ?
Há dois abismos, dois limiares, dois mundos estranhos.
O que fazermos a respeito ? Se forçarmos a entrada em qualquer um deles, poderemos nos machucar e ficarmos com seqüelas, encontrando no limiar apenas uma caricatura do “Eu”, marcada pelo mal em sua fria forma enrijecedora ou sua calorosa teia de ilusão.
Como podemos abordar estes limiares ?
É possível fazer de um a ponte para o outro por meio de um ritmo saudável, tanto na nossa consciência individual quanto na nossa consciência social ?
Podemos olhar alternadamente para dentro com questões tiradas do mundo exterior, e para fora com um questionamento interior da nossa própria responsabilidade por nossa situação ?
Em
“A Sociedade como reflexo do próprio interior”
Lex Bos – cap I