
Eros e Psiquè
“Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
A cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.”
Fernando Pessoa
A inspirada poesia de Fernando Pessoa é uma bela imagem para o que se revelará, no final, como sendo o surpreendente encontro de alguém consigo mesmo.
Da mesma forma, a maravilhosa escultura de Canova, Eros e Psiquè, nos contempla com o cuidadoso empenho do amor em amparar a alma desvalida no chão.
Ambas são boas metáforas para a arte do encontro e do vínculo que se estabelece na relação entre o paciente e o psicoterapeuta na abordagem clínica antroposófica.
Inúmeros são os motivos que levam uma pessoa a procurar apoio emocional: uma doença, a perda de um ente querido, uma ruptura afetiva, uma crise existencial. Fato é que ela busca ajuda para algo que não está conseguindo fazer por si só: a reconexão com a vida.
Inicialmente, o terapeuta utiliza dos seus recursos para formar o diagnóstico, obter uma visão abrangente da situação, e das ferramentas necessárias ao tratamento. Leva em consideração a constituição do paciente, a dinâmica dos corpos, a correlação entre as instâncias da alma, a etapa biográfica. Ao longo do processo ocorre, então, o momento onde ele precisa se abster de todo saber e abrir o espaço entre si e aquele que se encontra à sua frente. Silencia a sua mente.
Ele sabe que o vazio é necessário para que algo de natureza sutil e sanadora se manifeste. Ali, bem na região do meio, da troca, território do humano por excelência. Ele abre o seu coração e assim instaura a conexão amorosa que acolhe o outro e o leva de volta ao caminho de casa. Ao seu próprio Eu.
Para a Ciência Espiritual de R.Steiner, o amor é a causa última do desenvolvimento humano.
Ciente de que está a serviço de uma força maior e mais curativa, o profissional promove a alternância entre a fala e a escuta, para que o intermezzo carente de sentido, vá dando passagem ao que verdadeiramente preenche, ao que é pleno de significado, ao que é Presença.
“Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou no meio deles”. Matheuz 18:20
Eliane Utescher
Psicóloga / Terapeuta Biográfica
20/09/2019