Dores e Alegrias

Quem olha para o seu destino com sentimentos despreconceituosos, como se tivesse querido as suas dores, experimenta algo muito particular quando observa seus prazeres e alegrias. Ele não se concilia com estes últimos, como com seus sofrimentos. Para nós é fácil achar consolo no sofrimento, e quem não acredita nisso tente se  aprofundar . Mas é dificil se conciliar com alegrias e prazeres. Se alguém quiser se interiorizar profundamente no estado de ânimo de ter querido seus sofrimentos, ele não poderá deixar de se sentir profundamente envergonhado se projetar isso para seus prazeres e alegrias.

Ele experimentará um correto sentimento de vergonha e esse sentimento de vergonha não poderá ser superado a não ser que se diga: não gerei meus prazeres e alegrias por meio do meu próprio Carma! Esta é a única cura, do contrário o sentimento de vergonha poderá ser tão intenso que nos destrua a alma. A única cura está em não se supor mais esperto, pelo fato de ser levado para as alegrias. Com este pensamento se percebe que assim é, pois com este pensamento o sentimento de vergonha desaparece.

Os prazeres e alegrias nos acontecem na vida como algo que nos é dado pela sábia direção dos mundos, sem a nossa participação. Algo que temos que receber como uma graça e algo do qual devemos reconhecer que está determinado para nos colocar dentro do cosmo todo. Os prazeres e alegrias devem agir de tal forma em nós nos momentos festivos da vida, nas horas solitárias, como uma graça. Uma graça das potestades, todas do Cosmo, que querem nos acolher em si.

Então, enquanto através das dores e sofrimentos chegamos a nós mesmos e nos tornamos mais perfeitos, através de nossos prazeres e alegrias desenvolvemos, mas só se os tomamos como graças, aquele sentimento que só pode ser caracterizado como um sentimento de um repousar inefável nos poderes divinos e forças do Cosmo. E a única atitude correta perante os prazeres e alegrias é a gratidão. Ninguém se relaciona corretamente com os prazeres e alegrias, sem as horas solitárias do auto conhecimento.

Se associarmos estes prazeres e alegrias ao nosso Carma, nos entregamos a um erro que enfraquece o espiritual em nós e nos paralisa. Cada pensamento de que os prazeres e alegrias são merecidos por nós, nos enfraquece e paralisa. Isso pode parecer duro, pois alguns gostariam, que da mesma forma que associam a sua dor com algo que foi desejado para si mesmo e como algo que lhes chegou através de sua própria individualidade, gostariam de se sentir senhores de suas alegrias e prazeres.

A observação comum da vida nos ensina que prazeres e alegrias tem algo de dissolvente. Nunca este elemento dissolvente do prazer e da alegria conseguiu ter sua melhor expressão do que no “Fausto” de Goethe, onde este elemento paralisante na vida humana se torna perceptível com as palavras: “Assim cambaleio eu dos apetites para os prazeres e nos prazeres anseio por apetites”.

Quem reflete um pouco sobre a influência do prazer, quando é tomado pessoalmente, perceberá que o prazer tem algo que nos leva a uma vida titubeante e dissolve a nossa individualidade. Mas isto não deve ser uma recomendação para nos submetermos a autoflagelação e para nos fixar acom tenazes ardentes. Não deve ser assim. Mas o fato de reconhecermos corretamente uma coisa, não significa que tenhamos que fugir dela. Nós temos que aceitá-la tranquilamente, assim como ela nos aparece, mas temos que desenvolver o ânimo de que experimentamos como uma graça e quanto mais for assim, tanto melhor seremos capazes de penetrar no divino.

De forma que estas palavras não são ditas para predicar o ascetismo, mas para despertar o ânimo correto perante o prazer e a alegria.Não deve ser assim. Mas o fato de reconhecermos corretamente uma coisa, não significa que tenhamos que fugir dela. Nós temos que aceitá-la tranquilamente, assim como ela nos aparece, mas temos que desenvolver o ânimo de que experimentamos como uma graça e quanto mais for assim tanto melhor seremos capazes de penetrar no divino. De forma que estas palavras não são ditas para predicar o ascetismo, mas para despertar o ânimo correto perante o prazer e a alegria.

Quem afirmar que o prazer e a alegria tem algo de paralisante, dissolvente, por isso ele se afasta do prazer e da alegria o ideal do falso ascetismo, da autoflagelação, se afasta da graça que lhe é presenteada pelos Deuses. E no fundo, as autoflagelações dos ascetas, dos monges e das freiras, são contínuas rebeliões contra os Deuses. O certo é que nós sintamos as dores como algo que nos provém do nosso carma e que sintamos as alegrias como uma graça como uma inclinação do Divino para nós. O prazer e a alegria devem ser encarados como um sinal de quanto Deus se aproximou de nós, e a dor e os sofrimentos devem ser encarados como um sinal do quão longe estamos daquilo que temos de atingir como seres humanos.

Esta visão dá o ânimo fundamental perante o Carma, e sem esse ânimo fundamental perante o Carma nós não podemos em verdade progredir na vida. Temos que sentir que por trás daquilo que o mundo nos trás como bom, como belo, se encontram os poderes dos quais a Bíblia escreveu: “…e eles viram que ele era belo e era bom, o mundo ”. Mas enquanto nós precisarmos sentir o sofrimento e a dor, temos que reconhecer no decorrer das encarnações o que o homem fez no mundo, o qual era bom no começo e que ele deve melhorar enquanto ele se educa para uma enérgica tolerância das suas dores.

Palestra proferida por Rudolf Steiner

08/02/1912

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Published in: on 26/05/2015 at 7:30 p05  Deixe um comentário  

A Biografia Humana como Caminho Iniciático

“Se você quiser conhecer o mundo, conheça a si mesmo, e se quiser conhecer a si mesmo, conheça o mundo ”  Rudolf Steiner

Como este tema é muito grande e muito próximo do meu coração, hoje posso compartilhar alguns pensamentos do meu entendimento sobre a imagem do ser humano do ponto de vista da Antroposofia, e também, como um ser humano desta época.

A partir do gráfico da curva biográfica que mostra a vida terrena em períodos de sete (7) anos dos 0 aos 63 anos, a metade aos 31 ½  , gostaria de falar sobre o caminho de encarnação e excarnação do ser humano. Depois da morte temos a oportunidade de olhar para traz e avaliar como essa vida se passou, e até chegar esse momento, fazemos uma viajem muito longa, em diferentes níveis ascendentes pelas esferas planetárias.

Quero falar sobre uma grande visão cósmica que R.Steiner nos dá quando chegamos no ponto de virada , e sobre a avaliação que fazemos antes de voltarmos novamente à Terra através das esferas planetárias preparando a nossa próxima vida. Este ponto de virada se chama meia noite cósmica.

Neste trajeto, a nossa consciência vai se ampliando ,e  nosso espírito, que é um órgão muito grande de sentidos , nos possibilita perceber o Ser do Cristo ao nosso lado, e desse modo, avaliarmos como contribuímos com nossas vidas passadas para o desenvolvimento da Humanidade como um todo. Olhando através dos olhos do Cristo , podemos vislumbrar o futuro e o que precisaremos fazer, qual o tipo de vida teremos que viver para continuar a contribuir com a Humanidade.

Nosso próprio desenvolvimento pessoal está conectado com o desenvolvimento da Humanidade e é no ponto de virada , na meia noite cósmica, que definimos nossas intenções primordiais. A semente espiritualizada do nosso coração é aí formada e R. Steiner nos diz que o coração é o órgão com o qual podemos perceber o nosso Carma.

Podemos então observar dois aspectos : 1) quando venho com o meu Ser e faço a minha contribuição ao mundo ; 2) quando quero continuar o meu próprio desenvolvimento pessoal.

No ponto de virada podemos ver todas as pessoas com quem temos uma rede de desenvolvimento e que estão ligadas à nossa missão na Terra.    Quando nascemos, chegamos abertos para receber o que as pessoas nos dão e com curiosidade para o que vem ao nosso encontro.

Passamos por ciclos de 7 anos aonde o foco está, em cada período, em um membro específico do nosso Ser: dos 0 aos 7 no corpo físico, dos 7 aos 14 no corpo etérico, dos  14 aos 21 no corpo astral, e quando esses 3 corpos estão preparados, nosso Eu pode então nascer. Nos primeiros 21 anos absorvemos do mundo e somos impregnados com o que as pessoas nos dão e assim formamos o conteúdo da nossa alma. Todo esse caminho é no sentido de desenvolver o Eu como instrumento, aí esse Eu pode tomar a biografia como instrumento para o desenvolvimento .

O nascimento do Eu é o momento que damos um passo para fora da família e, ao mesmo tempo, um passo para dentro da própria vida e assumimos a responsabilidade por ela. A nossa biografia é a coisa mais preciosa que temos e somos exclusivamente responsáveis por ela.

O que fazemos com nossa biografia é uma experiência pessoal. Quando damos esse passo em direção à nossa própria vida temos 3 ciclos para desenvolver a nossa alma, e depois mais 3 ciclos para desenvolver o nosso espírito. A fase dos 21 aos 42 anos é para interação, e a fase dos 42 aos 63 anos, para devolver o que recebemos ao mundo, fazer a nossa contribuição ao desenvolvimento da Humanidade.

Essa é uma tarefa que podemos assumir e que não acontece por si , pois o Eu só se desenvolve através da nossa própria atividade e nada mais. Podemos olhar para a nossa vida passando por esses setênios como uma espiral, olhando de vários pontos diferentes, e o tema da nossa vida não precisa ser resolvido, mas ela precisa ser vivida através do nosso Eu. A Humanidade também tem esses estágios e ciclos, mas em uma amplitude muito maior de tempo.

Agora estamos na chamada época da Alma da Consciência, chegamos apenas no começo, mas temos que cumprir com a tarefa desta época. O que exatamente isto significa nesse momento ? Temos como potencial o ciclo entre 28 e 35 anos e R. Steiner disse que durante esses 7 anos temos a possibilidade de olhar para a nossa vida do lado de fora e essa é a maior emancipação que o ser humano pode fazer – olhar a própria vida como se ela fosse de uma outra pessoa no sentido de entrar em contato com o próprio Eu. Encontramo-la do lado de fora e do lado de dentro, e tudo o que vem ao nosso encontro tem a ver conosco ; as pessoas que encontramos no mundo espiritual, as encontramos agora novamente.

Todos os eventos que acontecem, revelam alguma coisa da pessoa que somos. Precisamos aprender a olhar para isto. Olhar para dentro, para o próprio pensar ,sentir e querer, e saber que somos muito mais que isto.   Quando damos um passo para fora,criamos a possibilidade de nos desidentificar para, em seguida, nos re identificar conosco mesmos, e isso só pode ser feito ativamente. Esta é a pré condição para o desenvolvimento da Alma da Consciência que acontece no ser humano na fase entre os 35 e 42 anos.

Depois de ter vivido um certo tempo, podemos nos fazer algumas perguntas , como por ex : É essa vida que quero viver ? Estou realizando o que vim aqui para fazer ? Isso nos obriga a definir nossos próprios valores e a possibilitar que nos tornemos uma autoridade interna, independente da externa. Traz responsabilidade para definir nossos próprios valores que são desenvolvidos por nós mesmos individualmente, o que define aquilo que sustentamos e para que queremos usar nossa vida, com o que queremos contribuir. Ninguém pode nos dar isso.

Quando olhamos para o nosso tempo atual enquanto Humanidade, chegamos a esse limiar e podemos nos perguntar : o que posso fazer ? Somos o centro da nossa vida e por outro lado temos a possibilidade de, com toda a tecnologia, ver bem longe no Cosmos e perceber como ele é grande e é nessa casa que moramos. Vivemos nesses dois pontos.         Nessa época da Alma da Consciência somos capazes de fazer viagens pelo Cosmos e olhar tudo do lado de fora.

Nesta nossa época nenhuma vida é fácil e para desenvolver a Alma da Consciência individualmente temos que enfrentar testes e desafios que encontramos na nossa própria vida. Como Humanidade estamos neste ponto de virada e nos perguntamos o que fazer desse mundo. O desenvolvimento apenas acontece quando encontramos as forças adversas, assim temos que conhecer o mal e como essas forças atuam.

O que  Ahriman traz para nós ? Ele é muito inteligente ,ele tem a ver com poder e isso tem a ver com a nossa época.        A tecnologia tem a ver com controle o tempo todo e com todo mundo – vide facebook, google, etc… Temos que nos perguntar o que está por traz de uma força que quer nos empurrar numa direção. Ahriman precisa do nosso livre arbítrio para operar, precisamos estar atentos à sua sedução e como cedemos a ele.

Um grande cientista da atualidade, Stephen Hawking, fala sobre inteligência artificial e que estamos numa corrida entre o avanço da tecnologia e a sabedoria para podermos usá-la, e que, no futuro talvez não mais existirá a pergunta “quem está controlando ?”. Então, como podemos desenvolver significados e caminhos para lidar com isso ? O que queremos fazer com a Terra ? Como queremos viver aqui ? Nós temos que decidir e não deixar outros decidirem por nós.

Todos estamos encontrando esta situação em nossas vidas pessoais, nem precisamos olhar muito longe, a própria vida está trazendo isto para nós. O poder das forças adversas se realizando no mundo externo e também na nossa alma é um campo de batalha. E é através das nossas próprias crises que temos que olhar interna e externamente para podermos aprender a conhecer este fenômeno e decidir o que fazer com isso.

Quando conseguimos olhar para a profunda conexão que temos com a evolução da Humanidade, é aí que podemos ver como fazer a nossa contribuição. Nossa vida pessoal é muito íntima, só pertence a nós mesmos, mas, ao mesmo tempo, estamos vivendo com a Humanidade.  Trabalhando nos desafios da nossa própria biografia podemos fazer a nossa contribuição pessoal, mas para que isso aconteça, é necessário que tudo passe pelo nosso próprio Eu.

Os desafios que vieram ao nosso encontro no passado fizeram de nós o que somos agora. Temos que aprender a olhar a própria vida de maneira objetiva. Assim poderemos olhar para os eventos externos, que estão do lado de fora, e ver a correspondência interna na nossa alma. Quando observamos os padrões e o fio vermelho da nossa vida , o sentido  resplandece, descobrimos  porque agimos de determinada forma e porque as coisas vem na nossa direção. E quando isto acontece, brilha uma confiança na existência do mundo espiritual e percebemos que existem forças criativas por traz de tudo.

Desta forma, nos damos conta do sentimento de estarmos totalmente sós e, ao mesmo tempo, nunca estarmos sós. O mundo espiritual está conosco o tempo todo, mas ele precisa ser conhecido por nós. Steiner fala de três qualidades a serem desenvolvidas nessa época :

  • Compreensão social, entendimento prático da vida. Não dá para ler isso nos livros, acontece quando aprendemos a nos ouvir uns aos outros e necessita de um profundo interesse de um ser humano para outro. Através disso podemos aprender uns com os outros.
  • Liberdade da vida religiosa. Isso significa uma profunda tolerância com o que acreditamos, aceitação de que crenças são pessoais e que cabe a cada um construir suas próprias crenças. Dar liberdade a cada um para ir em busca de sua própria verdade, deixar cada um livre para fazer essa escolha.
  • Precisamos adquirir um conhecimento vivo do mundo espiritual, aprendermos a nos relacionar com ele para que ele possa se relacionar conosco. Existem forças criativas que estão por traz da criação esperando por nós para podermos trabalhar juntos.

O começo da Alma da Consciência é o começo deste caminho. No passado haviam os Centros de Mistério que tinham ritos específicos de Iniciação e eram secretos. No nosso tempo todos os segredos estão revelados, acontecem nas crises das nossas vidas e depende de nós estarmos despertos ou adormecidos para a possibilidade de Iniciação que existe aí.

Os desafios nos ajudam a conhecer a vida e ver que ela é esse caminho de Iniciação que estamos percorrendo todos juntos.

Palestra proferida por Anita Charton

Auditório da Sociedade Antroposófica

18/05/2015

Published in: on 21/05/2015 at 7:30 p05  Deixe um comentário