O Limiar

O que é um limiar ?

É uma passagem de um lugar para outro. Se a gente não tem presente estes espaços diferentes, eles se confundem freqüentemente.

Hoje, constantemente existem ameaças da invasão de um espaço interno ; esse espaço íntimo no interior do ser humano tem que ser cuidado para regeneração, para criação de forças espirituais com as quais a gente vai ao mundo. Se isso não acontece, a gente espera encontrar lá fora no mundo o que é função do mundo interno e, dessa forma, exigimos que as pessoas realizem o que tem que ser realizado por nós, individualmente, dentro de cada um.

Antigamente os espaços internos eram vigiados : Héstia cuidava do espaço íntimo, do fogo interior da casa ; Mercúrio fazia a transição entre o interno e o externo ; Juno era colocado nas portas da cidade. Os antigos tinham a consciência de que eram passagens especiais e que tinham deuses que ajudavam a transferência de um lugar para outro.

Atualmente, pelo processo de individuação que foi crescendo, o “Eu” tomou o lugar dos deuses, ele é que tem que se fortificar para as passagens de um limiar para o outro.

Onde estaria a primeira passagem de limiar ?

No nascimento, onde passamos do mundo espiritual ao terreno.
É uma passagem bem delicada onde já podem ocorrer perturbações que vão influenciar por toda a vida.

E a morte seria o outro grande portal, só que então do terreno ao espiritual.

Hoje a morte é muito manipulada e por isso podem acontecer interferências que precisariam ser mais bem vigiadas.

Nessas duas passagens o Eu não pode ser o vigia ,portanto, há um guardião : em uma forma de figura humana, o “ parteiro” do nascimento e da morte.

Em cada passagem de setênio ( a cada 7 anos )  temos que estar bem atentos. Por exemplo, na puberdade, vemos nitidamente a saída do paraíso para a queda na Terra, ou seja, uma forte passagem do cósmico ao terrestre.

Por outro lado, a partir dos 42 anos, vamos nos desligando do corpo e nos ligando mais à esfera cósmica. Ambas são passagens perigosas, sujeitas a suicídio na adolescência e, aos 42, elementos precoces de excarnação.

Um outro limiar que a gente transita todo dia é o do sono e vigília, o adormecer e o despertar. Temos que estar bem atentos a esses dois momentos, pois forças adversas podem atuar aí.

Rudolf Steiner coloca que, se estivermos atentos e em treinamento da consciência, poderemos trazer elementos espirituais da noite para o nosso dia.

A humanidade como um todo já treinou essas passagens nos “mistérios”.

Os caminhos para o interior eram especialmente treinados no Egito, onde a pessoa do neófito era colocada em um sono templário pelo hierofante  ; o aprendiz então atravessava uma fileira de esfinges com cabeça de águia, pata de leão e peito de touro. Essas são as forças representativas do pensar, do sentir e do agir, que tinham de estar em equilíbrio. E a pergunta da esfinge era se o ser humano estava com essas forças equilibradas. Era a época em que o ser humano precisava treinar a entrar no interior de seu corpo. O neófito atravessava todos os seus invólucros astrais e se confrontava com o “pequeno guardião”, uma sua imagem deturpada da esfinge ; a alma se deparava com as aberrações da sua contra imagem.

No corpo etérico ele se confrontava com toda sua corrente ancestral, e por outro lado, que ele era o resultado de muitas personalidades de suas encarnações passadas. Se o processo não fosse bem conduzido, ou se o neófito não estivesse bem preparado, ele saía dessa experiência dividido, cindido.

Se bem sucedido, ele percebia que essas correntes eram parte dele mesmo.

Por último, o aprendiz se confrontava com o corpo físico, que, para os egípcios, era vivenciado como o templo dos deuses.

Esse processo de iniciação acontece toda manhã quando adentramos o nosso corpo físico. Só que a humanidade, nesse momento atual de encarnação, não está preparada para vivenciá-lo. Ela é protegida, e sua atenção é desviada para o mundo sensorial. Em casos patológicos como a esquizofrenia ou o alcoolismo, vivencia-se como invasões da nossa consciência. Coisas que precisariam ficar na inconsciência, rompem a barreira do limiar e invadem o ser humano.

Precisamos identificar elementos quando são de iniciação verdadeira ou manifestações patológicas dessas invasões.

Essas forças adversas que estão dentro de nós, em um processo de iniciação, explodem – os hierofantes tinham doze ajudantes para lidar com essas forças.

As culturas dos países nórdicos faziam as iniciações do Cosmo, onde o indivíduo, através de música e dança, ia se excarnando cada vez mais até entrar em êxtase. Esse estado de êxtase originalmente ocorreu com Odim .

Sente-se primeiro os elementos – fogo,água, vento, terra – que, enquanto força, é a composição do nosso corpo etérico,e depois, os elementos do corpo astral.

Ao contrário da iniciação interna dos egípcios, onde se poderia perder do Eu no egoísmo, essa tinha o perigo de perder o Eu no êxtase, na dissolução.

Nessa iniciação existia a oportunidade de encontrar o Cristo Cósmico, o “grande guardião do limiar”, onde o indivíduo percebia o quanto estava imperfeito, e daí ,se empenhava a trabalhar para alcançar a imagem ideal.

Em “O sonho de Olav Asteson”, esse processo é descrito. A proteção dessa esfera é o esquecimento, onde não lembramos o que aconteceu durante a noite.

Existem duas forças nominadas por Rudolf Steiner : ahrimânicas e luciféricas

Elas querem impedir que o ser humano faça essa viagem depois da morte, para que não encontre sua identidade espiritual. Temos de conhecê-las muito bem para poder interagir com elas de maneira correta – o bem se torna mal no lugar errado. Hoje o ahrimânico e o luciférico atuam no ser humano por dentro.

Cristo, como imagem do equilíbrio de forças, é que coloca as forças adversas no lugar certo. Nos tempos pré cristãos,precisava-se de um hierofante externo; na idade média, usava-se os passos da paixão para esse encontro, e hoje, o hierofante é nosso próprio Eu,que deve decidir qual o passo a ser dado,  de livre escolha, se quiser entrar na iniciação, e se o fizer, com passos seguros.

Cada biografia é em si um caminho de iniciação que não pode ser julgado por ninguém, a não ser pelo próprio Eu da pessoa.

Em termos de evolução da humanidade, o luciférico teve uma atuação maior em tempos pré cristãos. A importância de Lúcifer era mais importante até o advento do Cristo. Agora, Ahriman traz mais desafios ao ser humano.

Temos sempre que nos questionar e buscar o equilíbrio entre essas forças.

Gudrun Burkhard

10/11/96

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Published in: on 21/05/2010 at 7:30 p05  Deixe um comentário  

O Mal no caminho do Desenvolvimento Humano

 

Observem a imagem do arcanjo Micael empunhando uma espada com seus braços fortes.

A espada / lança é de ferro, que é a substância usada no combate.

Esse elemento (ferro) está relacionado às forças de Marte, também ligado à qualidade da fala, a força da palavra.

Um grande artista brasileiro da palavra foi Guimarães Rosa.

Seria possível fazer um estudo do encontro com o mal a partir do   “Grande Sertão : Veredas” ?

Guimarães faz conscientemente o uso da palavra contra o mal.

Mais do que uma escrita, o livro é uma fala, tudo tem som, a força da fala está presente.

O livro não é dado de presente, mas quando se termina de lê-lo, a pessoa não é mais a mesma que o começou. As primeiras trinta páginas tem todo o conteúdo, é difícil, mas é um processo transformador.

Até que ponto no combate ao mal, não nos tornamos tão maus quanto aqueles que queremos combater ?

O que se faz para combater o terrorismo ? Como reconheço esse mal ? Como posso superar esse mal não sucumbindo a ele ?

Para combater qualquer coisa é preciso conhecê-la, e não dá para combater aquilo que negamos.

Os seres do mal são seres espirituais. Conhecer o mal é tarefa do ser humano.

O anseio pelo conhecimento do mal é motivo do personagem principal do Grande Sertão, Riobaldo – rio baldo, aquele que faz a travessia, um épico, como um conto de fadas. Ele está o tempo todo perguntando.

Os seres demoníacos da terceira hierarquia se atrasaram na sua evolução ; seu grupo fazia isto, mas eles não o fizeram naquela época e agora vêm fazer o que não foi feito, ou seja, o desenvolvimento do Eu, da individualidade.

Esses seres que na antiga Lua não desenvolveram sua individualidade são os seres Luciféricos – agora eles usam o ser humano para essa finalidade e são afins com o corpo astral.

Similarmente, no antigo Sol, os seres Arimânicos que se atrasaram na sua evolução são afins com o corpo etérico do ser humano, e, da mesma forma, no antigo Saturno, os seres que se atrasaram são os Asuras, afins com o corpo físico humano.

Esses seres não podem atuar diretamente nos corpos, mas na alma humana.

 Assim temos :

 No corpo astral, a alma da sensação, os seres luciféricos

No corpo etérico,a alma do intelecto, os seres arimânicos

No corpo físico, a alma da consciência, os azuras.

 E além desses três , Rudolf Steiner se refere ao Zorat, demônio do Sol, anterior à evolução humana em Saturno, que atua o Eu humano no Cosmos – carmicamente um Anti- Eu.

A vivência do Cristo etérico é uma vivência da separação do Mal na alma humana. O primeiro âmbito para superar as forças do Mal é na alma da sensação, dos sentimentos, e assim por diante. Essa luta tem que ser travada dentro de cada um, no interior da alma individual.

A estória de Riobaldo é muito emblemática, acontece no interior e no exterior do ser humano. Sinaliza o fim do Kaliyuga e o começo da atuação de Micael na Terra.

Com relação à alma da sensação, a superação do Mal ocorre na medida em que o homem se preocupa em transformar suas tendências amorais, seu egoísmo, seus baixos instintos, e consegue isso através de auto conhecimento e reconhecimento .

Com relação à alma do intelecto, o homem tem que superar a mentira, toda forma de medo, e a tendência para o materialismo através de decisões justas, juízos corretos, organizações socialmente justas, formar considerações apropriadas através do estudo de assuntos que não domina; desenvolver um conhecimento individual interno, um pensar vivo, orgânico, espiritual, do coração, capaz de superar o pensar frio e puramente racional.

Com relação à alma da consciência, e para se contrapor aos azuras neste lugar, o homem tem que dar um passo para se apossar da sua própria liberdade – vivência do limiar, processo de iniciação, encontro com o guardião do limiar. “Viver é muito perigoso”, é o mote do livro.

É quando os controles externos desaparecem e então, tudo se pode.

O perigo do ser humano que passa por esse processo é a vivência do poder, pois com ele pode-se tudo para o bem ou para o mal.

A responsabilidade do ser humano passa por aqui. Ele tem que resistir às tentações.

De onde provém o poder ? O ser livre percebe a quem obedece.

Só se pode contrapor ao Não Sou com o Eu Sou, através do Eu do Cristo.

O ser humano precisa deixar de ser para ser através do paradoxo, ser              “ O Cristo em mim”.

 Diadorim é um dos personagens mais misteriosos da estória, um bom lutador com faca. Um anjo micaélico ?

A experiência do Cristo também se dá na impotência – o ser humano deve ser capaz de passar pela impotência interior e da ressurreição originada nela, na vivência do “não poder” tem-se a experiência do Cristo.

A peça esculpida em madeira por Steiner, da Figura do Homem, traz  claramente a imagem do equilíbrio das forças, assim como a meditação da pedra fundamental , que apela à alma humana e às hierarquias superiores na direção da luz do Cristo.

Marilda Milanese

Dia de Micael 29/09/2009