Cap I
Vou começar contando uma estória que chama “A Sereia do Lago” dos Irmãos Grimm. É uma história para crianças e embora saibamos o seu significado mais profundo, não é interpretado para elas. As crianças entendem, pois elas têm uma ligação muito mais rápida com essas forças arquetípicas.
Era uma vez um dono de um moinho que morava num campo e que era muito rico. Toda farinha que fazia era muito apreciada na redondeza e vinha gente de longe comprá-la. Ele foi ficando cada vez mais rico e foi se acostumando com essa vida regalada, cheia de ouro.
Repentinamente, não se sabe o que aconteceu, ele começou a perder clientes, as pessoas pararam de comprar sua farinha, reclamavam da qualidade dela apesar dele continuar usando a mesma técnica. Ele começou a ficar pobre. E quando isso aconteceu ele começou a ficar muito angustiado e não pensava em outra coisa (os adultos costumam se preocupar muito com dinheiro). Estava então muito angustiado com essa situação econômica difícil e no desespero resolveu dar uma andada pelos campos. Perto de onde ele morava tinha um lago e, nesse lago, morava uma sereia e ela era terrível. Todo mundo tinha pânico dela. Ela tinha um encanto que atraia as pessoas e tinha uns poderes meio malignos. Todos sabiam da sereia e evitavam o lago, só que o nosso personagem estava tão envolvido com sua situação econômica, que não se deu conta e passou na beira do lago e nesse momento escutou um canto, uma força irresistível atraindo-o.
Ele sabia que não deveria olhar para lá, mas olhou e a sereia olhou nos olhos dele e disse: “Eu sei os problemas que te afligem, eu posso ajudar a resolver”. Mas ele começou a duvidar, perante os encantos da sereia, se aceitava ou não a sua ajuda. Então ela disse: “é simples, eu passo a fazer com que sua farinha seja vendida outra vez, você ficará o homem mais rico do país e só terá que me dar um presente, eu não vou te pedir nada, só quero que você me dê o que acabou de nascer em sua casa”.
No nervosíssimo em que se encontrava e como tinha uma chácara pensou que poderia ser um pinto, um porquinho ou um patinho e achou ótimo fechando o trato com a sereia.
Depois foi para casa com certo incômodo e quando chegou a empregada contou-lhe contente que tinha nascido o seu filho. Então ele se apavorou com a situação e percebeu que a sereia tinha conseguido enganá-lo. Com o tempo, como passou a ganhar muito dinheiro, foi se esquecendo da situação e acabou achando que tinha enganado a sereia, pois ela não tinha vindo reclamar o filho.
Proibiu o filho de passar perto do lago, pois estaria correndo um grande risco e o filho se criou sem nunca ter ido para perto do lago. Quando o filho cresceu, quis se tornar caçador, e foi para uma aldeia vizinha onde aprendeu a caçar e se tornou um bom caçador. Apaixonou-se pela filha de um caçador, se casou e viveram felizes numa casa de campo em perfeita harmonia.
Uma noite ele saiu para caçar e matou um veado. Quando foi carregá-lo sujou a mão de sangue e percebeu que estava perto do lago e quis lavá-la. Mas quando colocou a mão dentro da água saiu uma mão de mulher que pegou a sua e puxou-o para dentro da água (para o fundo) e sumiu.
A mulher em casa sentiu uma angústia e ficou preocupada com o marido. Então saiu durante a noite para ver o que tinha acontecido com ele .
Quando chegou ao lago e viu o que tinha acontecido ficou desesperada.
Conta a história que ela gritou feito louca, porque a dor era muito grande e gritou tanto que se cansou e dormiu na grama. Quando estava dormindo ela teve um sonho e no sonho subiu umas montanhas e atrás das montanhas tinha uma casa de madeira muito pobre.
Quando acordou quis fazer o que o sonho pedia. Então foi, reconheceu as montanhas do sonho, subiu por elas e do outro lado tinha uma casa e na casa tinha um velhinha. Então contou todo o problema para velhinha e ela lhe disse: “É só isso o problema? É simples, eu vou te dar a solução”.
Deu para ela um pente de ouro e disse “Na próxima noite de lua cheia, você vai pentear o cabelo com esse pente de ouro e vai deixar o pente de lado e vai ver o que acontece…”
Ela pegou o pente e ficou muito aflita porque ainda faltavam alguns dias para a noite de lua cheia. Quando chegou a noite de lua cheia ela se penteou, com toda calma que podia, e na hora em que colocou o pente na grama, uma onda de água se levantou para pegar o pente e nesse momento apareceu a cabeça do marido fora d’água. Não deu nem para se comunicar, nem para trocar alguma palavra.
Então ela voltou a ficar desesperada, começou a gritar feito louca e tanto gritou que pegou no sono outra vez. Quando ela pegou no sono, teve o mesmo sonho e decidiu voltar na casa da velhinha.
Chegando lá a velhinha disse: “É só isso que te preocupa, é simples, leva esta flauta de ouro e quando chegar a noite de lua cheia toca uma música na flauta, depois coloque a flauta de lado e vê o que acontece. Quando ela deixou a flauta, veio uma outra onda um pouco maior que a anterior, o marido apareceu, esticou os braços para ela e a água puxou-o outra vez.
Ela ficou desesperada e tanto gritou que dormiu e quando dormiu teve um sonho (montanha e casa) e resolveu ir ver a velhinha. A velhinha disse: “Mas é só isso que te aflige? Isso a gente resolve e deu-lhe agora uma roca de ouro. E disse: Na próxima noite de lua cheia você tece com a roca de ouro e depois deixa de lado e vê o que acontece”.
Quando chegou a noite de lua cheia ela teceu e quando deixou a roca na grama veio uma onda maior para carregar a roca e o marido saiu até os pés. Nessa hora ela pegou o marido pela mão e saiu correndo com ele conseguindo salvá-lo. Mas então escutaram um barulho atrás e quando olharam perceberam uma onda enorme, o lago todo levantou e vinha para engolir os dois. Quando ela viu a onda não soube o que fazer e invocou dentro dela a força da velhinha e pediu que salvasse os dois. Imediatamente ele se transformou num sapo e ela numa perereca e no que veio a água, não afogaram porque sapo e perereca nadam muito bem.
Só que depois que a água passou e se estabilizou, o sapo foi parar num lado do lago e a perereca do outro lado e por um passe de mágica voltaram a ter forma humana.
Mas aconteceu um mistério, eles esqueceram toda a história, não lembravam quem eram, nem o que tinha acontecido. Esqueceram tudo. Apareceram assim, um homem e uma mulher sem identidade, e ambos decidiram ser pastores. Como pastores ficaram errantes pelos campos tocando as ovelhas e de longe um via o outro e foram criando uma amizade, conversavam mas não se davam conta do que tinha acontecido. Até que numa noite, que era de lua cheia, os dois estavam sentados e estavam com uma certa tristeza, as ovelhas estavam calmas e o pastor tirou do bolso uma flauta e começou a tocar. Quando começou a tocar, ela começou a chorar e a ter lembranças do lago. O pastor então perguntou o que estava acontecendo e ela disse que era essa a música que havia tocado perto do lago na 2ª vez que tentou tirar o marido de lá.
Na hora em que ela falou isso, foi como um encontro, a lua estava iluminando o rosto dela e ele a reconheceu. E eles se abraçaram loucamente e foram felizes para sempre”.
Esta estória tem um conteúdo, evidentemente simbólico, a respeito do reencontro de uma vida para outra dos seres que tinham algo em comum, que é o tema que vou tocar hoje.
Diz Rudolf Steiner que muitos dos encontros, não todos, que ocorrem numa vida, e não são poucos, são encontros marcados quando passamos de uma vida para outra.
Esse processo acontece de uma forma bastante poética. Quando desencarnamos, nossa alma tem que fazer uma subida pelo mundo espiritual, aonde irá se elevando e passando por uma série de esferas de qualidades diferentes. O corpo fica na terra e a nossa alma continua junto com o espírito, numa viagem que vai passar por toda uma série de camadas, passando por uma série de experiências.
No momento em que estamos entre uma vida e outra, isto é, entre a morte e o novo nascimento, acontece uma coisa interessante com a alma.
Quando estamos na terra, temos um corpo e a alma ocupa um determinado espaço e tem um certo tamanho diferente, dependendo do desenvolvimento da pessoa. Isto é, é possível perceber a alma de uma pessoa num determinado local, mas assim que a alma desencarna, ela começa a adquirir dimensões praticamente “incomensuráveis” na nossa medida humana e as almas todas começam a se misturar. No mundo espiritual as almas de duas ou mais pessoas falecidas podem ocupar o mesmo espaço. Passamos então um determinado tempo misturado com outros seres com os quais iremos fazer uma série de trocas. Então, são pessoas com as quais já tivemos experiências na vida anterior ou pessoas com as quais vamos determinar uma experiência na próxima vida.
Como é que nesse momento o espírito decide que vai precisar ter uma experiência com uma pessoa numa próxima vida? Como esse processo é feito?
No momento em que cada alma se recolhe para começar um processo de encarnação, acontece algo interessante. Nesse momento, não voltamos só com a nossa alma, mas carregamos pedacinhos dos outros, das outras almas e as outras almas carregam pedacinhos das nossas almas. Esse é um processo pelo qual marcamos nossos encontros, ou seja, quando nascemos, a nossa alma não é somente nossa, nascemos com conteúdos que são eminentemente nossos e com conteúdos que recebemos do outro.
Gerardo A. Blanco
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